Home / Oráculo Otiot / Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

Ayin é a letra que fala dos olhos – a palavra ayin serve tanto para \”olho\” quanto para \”fonte\”, em hebraico. \”O coração deseja o que os olhos percebem\”, dizem os sábios. A aversão também é, muitas vezes, despertada pelos olhos, a exemplo do \”olhar de preconceito\”, que é uma energia de julgamento.

 Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

Depois de cobrir a cabeça com o xale de orações, o judeu faz uma prece associada ao tsitsit, que são franjas presentes nos quatro cantos do tallit. E com as duas franjas da frente nas mãos, é feito um movimento de cima para baixo duas ou três vezes para \”limpar\” os olhos de todas as impurezas que estejam comprometendo a visão de si mesmo e do mundo que o cerca, e só então o serviço religioso tem início.

E não errareis indo atrás do vosso coração e atrás dos vossos olhos

Está na Torá:

\”…Que façam para eles tsitsit sobre as bordas das suas vestes, pelas suas gerações e porão sobre os tsitsit da borda um cordão azul celeste. E será para vós por tsitsit e vereis e lembrareis todos os mandamentos de D’us e os cumprireis e não errareis indo atrás do vosso coração e atrás dos vossos olhos, atrás dos quais vós andais errando; para que vos lembreis e cumprais todos os Meus mandamentos e sejais santos para com vosso D’us\” – Bamidbar 15: 38-41

 Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

Observe que curioso: \”…e vereis e lembrareis todos os mandamentos de D’us\”. Não existe nada de \”mágico\” no tsitsit. Ele não possui a função talismânica (protege quem o usa). Existe para ser visto (função da letra Ayin) e, a partir daí, lembrar o religioso do seu compromisso de integridade com relação aos ensinamentos da Torá.

Agimos, no dia a dia, de acordo com os nossos pontos de vista. Há quem aceite os valores (pontos de vista) dos outros. Há quem brigue porque acha que todos devem pensar igual (ter o mesmo… você sabe). Quando uma situação parece complicada, recomenda-se que a pessoa veja o problema por outro ângulo ou de forma mais ampla.

No Oráculo Otiot eu falo de outras coisas associada à letra, como o ayin hará, o \”mau olhado\”, que é tratado com seriedade dentro da cultura judaica, mas o meu ponto aqui não é esse.

A justiça de Xangô

Compartilhei esses dias um post que conta uma história interessante sobre justiça: um filho de Xangô, o orixá da justiça, clama pela punição de seus inimigos. E então descobre que tudo o que chega à deidade passa por um tribunal formado por 12 juízes. Qualquer sentença é promulgada apenas quando há unanimidade entre eles. Por que Xangô não decide sozinho? Porque Xangô é apenas um e aquilo que uma pessoa considera injusto, pode não ser através de outros olhos – cada um trazendo a sua própria experiência e sabedoria para a questão.

Lembrei da letra Ayin porque um de seus atributos é a ira. No seu aspecto negativo, essa ira (ou indignação) surge quando as coisas não se apresentam da forma que se desejava. Como nada é por acaso, Ayin rege o Fígado, cujo sentimento, pela Medicina Chinesa, é a raiva e se relaciona com os olhos.

 Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

Sincronicidade, interrompi a redação deste texto para fazer um atendimento. O que rolou nesse encontro foi exatamente o que tinha em mente destacar. Quase que por regra, todo cliente (pensa que) está do lado certo da história que narra e desfazer esse equívoco é um desafio. Isso vale, particularmente, quando, mesmo tendo razão, é ele quem sai prejudicado na situação. Onde está a justiça?

\”Eu não faço mal a ninguém. Por que a minha vida é assim?\” ou \”Por que acontece isso comigo?\”, \”Fulano não vale nada e só se dá bem. Por que comigo é diferente?\”. \”Não é justo que eu pague pelo erro de Sicrano!\”. \”Beltrano me enganou. Não é possível que algo de ruim não aconteça a ele!\”.

Um dos ensinamentos de Ayin, o olho, é que a nossa visão é limitada. O mundo que conhecemos está encoberto pela \”pele de cobra\” (as clipot ou \”cascas\”, que é a denominação mais correta) para que não sejamos capazes de perceber as coisas como elas verdadeiramente são.

Nos falta visão espiritual para identificar o que há de absoluto dentro da realidade relativa que vivemos. Falta visão espiritual para perceber a interdependência de situações e pessoas e as leis de causa e efeito que não se restringem a esta existência. Falta visão espiritual para assumirmos nossas imperfeições e responsabilidades pelas escolhas que foram feitas. Enfim, Ayin fala desses limites e também da capacidade de ver além. Se usássemos Ayin no Tinder, certamente nossas escolhas seriam outras. 😉

Os olhos do Rei

Mas existe outra curiosidade: Ayin tem valor numérico 70. As letras também são usadas como números, em hebraico, como os algarismos romanos. De modo geral, falamos das 70 nações do mundo pós-Mabul (Dilúvio), logo, toda a diversidade de culturas e valores daquela época. Mas 70 também foi o número de sábios escolhidos para compor o sanhedrin (\”assembleia\”) de cada cidade para julgar todo e qualquer caso de teor civil, criminal ou religioso trazido por um cidadão exigindo justiça.

 Letra Ayin: a justiça que os seus olhos (não) veem

\”Nossa, por que Xangô precisa de 12 e Israel precisava de 70?\”. Calma. Considere o código mais do que a literalidade do texto bíblico. Não por acaso existe o termo ojuobá (\”olhos do rei\” – rei se refere ao orixá), em yorubá, para designar as pessoas que têm a função auxiliá-lo nestas questões. Então, através de duas culturas, estamos falando da mesma coisa – e aí reside a beleza que desejo compartilhar.

Não se trata de ser resignado em aceitar as coisas como elas são, mas ter cuidado com a justiça que se exige porque pode ser que, uma vez que a Justiça (assim, como letra maiúscula) seja feita, nossa situação ainda piore. O que Ayin nos ensina é que devemos ver o cenário não com os olhos do ego, mas com os olhos da alma, que está diretamente conectada com a Fonte (o outro significado de ayin, lembra?) e detém todas as respostas.

Acrescento que 70 é a guematria (valor numérico) da palavra sod, que significa \”segredo\”. Dentro da tradição judaica, há quatro níveis de interpretação da Torá, desde o literal (pshat) até o secreto (sod), revelado pelos códigos que estão ocultos no texto. Assim também é na vida, onde a primeira impressão nem sempre conta toda a história.

Possam todos se beneficiar.

Um comentário

Deixe um Comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Categorias