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Com quantas escolas se faz um Lenormand?

Vou abordar aqui as Escolas do Lenormand, e talvez isso soe como surpresa para muita gente – é a reação comum que percebo em conversas com outros oraculistas.

Uso o Petit Lenormand, mas ele nunca foi o meu principal instrumento de trabalho oracular. E destaquei Petit (“Pequeno”) para diferenciá-lo do Grand Jeu Lenormand que, apesar do nome, não possui correlação alguma com o primeiro. Conheço-o há muitos anos, e por muito tempo interpretei a carta 2 como “Paus e Pedras no Caminho”, apesar de sua ilustração exibir um trevo. Naquela ocasião, nada parecia errado — nem para mim, nem para muitos que conheci estudando o oráculo, até uns três ou quatro anos atrás.

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Um Lenormamd alemão de 1890

Visitando a Amazon francesa, encontrei livros sobre o Petit e o Grand Jeu Lenormand — ainda que eu não leia nada de francês. Também adquiri nessa época o único título em inglês que encontrei e que hoje reconheço como uma grande referência, escrito por Erna Droesbeke von Enge. Graças a essas novas fontes, descobri que o Navio não se limitava a representar “Saúde” ou “Mudança”, e que os Pássaros estavam longe de significar apenas “Pequenos Gorjeios” em leituras realizadas acima do Equador.

O impacto inicial foi uma certa insegurança: ao deparar-me com a Montanha em um jogo, ficava em dúvida se considerava o atributo de “Obstáculo” ou o de “Justiça”. Contudo, tudo é uma questão de escolha, e por um tempo, optei pela leitura com a qual estava mais familiarizado.

Atualização de 2025: É crucial contextualizar que o texto original é de 2014 e essas descobertas ainda anteriores a isso. O mundo não estava tão conectado quanto hoje. O acesso à informação era limitado. O dito Baralho Cigano, no Brasil, sempre teve um discurso muito mais místico-mediúnico do que algo que se aprende através dos livros. Soma-se a isso o fato de que o Tarot era um oráculo glamourizado, enquanto o Lenormand era frequentemente considerado “menor”, muito utilizado por umbandistas com o “suporte” de uma mentora espiritual cigana.

O surgimento das “Escolas Europeias” no Lenormand

Não me recordo o ano exato em que conheci Alexsander Lepletier, mas foi no Orkut. A partir desse contato, tornou-se muito mais frequente ler e conversar sobre as interpretações encontradas na Europa. Foi em uma dessas trocas que, despretensiosamente, utilizei as expressões “Escola Brasileira” e “Escola Europeia” para pontuar essas diferenças, e até hoje ele me atribui a “paternidade” dessa terminologia.

O fato é que, mesmo naquela ocasião, o volume de informações disponíveis era incomparavelmente menor do que o que encontramos hoje. O livro de Erna, uma belga, era, praticamente, a única referência traduzida para o inglês. E assim, foi-se descobrindo que a Escola Europeia não era uma coisa só. Tínhamos a Escola Francesa, a Escola Alemã, a Escola Belga, etc. A pluralidade, portanto, existe e não se iniciou no Brasil.

Considero essa diversidade um grande ganho, pois nos oferece a chance de conhecer novas perspectivas e fazer escolhas — inclusive combinando escolas, quando isso é pertinente. Já conversei com uma pessoa que, após estudar os conceitos do Velho Mundo, disse preferir o Lenormand Tupiniquim — e não há nada de errado nisso.

Existe uma abordagem “certa” no Lenormand?

Eu me questiono se muitos intérpretes do Lenormand desconhecem, por exemplo, que há múltiplas interpretações para os Arcanos Menores do Tarot. Alguns preferem o Waite, outros, o Crowley, e há ainda aqueles que seguem linhas de raciocínio e baralhos temáticos distintos. Minha resposta a quem me questiona sobre isso é sempre a mesma: “abrace uma abordagem e seja feliz”.

É desnecessária a busca por “ter razão” em discussões entre profissionais sobre os atributos de certas cartas.

Ponderações, contudo, são sempre bem-vindas, desde que pautadas pela humildade de quem contesta, pela receptividade de quem é contestado e pela mente aberta de ambos. O que realmente importa é a funcionalidade do atendimento ao cliente: se o método e os atributos que utilizamos são eficientes para avaliar uma situação prática e oferecer caminhos claros.

Afinal, o que você quer de uma consulta?

Para o consulente, a distinção entre as escolas é, em grande parte, irrelevante. Alguns podem perguntar sobre a escola ou o baralho utilizado, mas a questão central deve ser: “Qual o propósito da consulta?”. Se o objetivo é discutir simbologia, um curso seria mais apropriado. Se a busca é por aconselhamento, então o consulente deve relaxar e confiar no oraculista.

Fora isso, o debate pode facilmente descambar para um jogo de vaidades. Ninguém se torna melhor ao desmerecer uma escola ou método diferente do seu. É ainda mais lamentável quando se critica a “Escola Brasileira” como se fosse algo de “gente sem acesso aos verdadeiros ensinamentos”, ignorando que muitos desses críticos se basearam nessas mesmas referências até pouco tempo atrás.

Em última análise, o Lenormand é um oráculo fascinante, mas sua profundidade e utilidade dependem do interesse e da dedicação de quem o interpreta. Ele pode ser tanto um instrumento superficial e fofoqueiro quanto uma ferramenta completa, capaz de atender às necessidades do momento. Existem leituras livres de 3, 5 ou 9 cartas, e há quem adote métodos de casas onde o valor das cartas molda a interpretação — de forma similar ao Tarot.

Não podemos esquecer do Grand Tableau ou Mesa Real, onde todas as cartas são dispostas em uma estrutura complexa, e a leitura se dá por proximidades, simetrias, linhas e diagonais. Tudo está correto e é eficaz, se for bem executado.

O Baralho Cigano

O adjetivo “cigano” não é uma invenção brasileira. Na Europa, o marketing utiliza até hoje o complemento “cigano” ou “bruxo” (“da bruxa”) para produtos e serviços esotéricos, buscando um diferencial de venda. É fundamental compreender que o Lenormand não foi criado por ciganos nômades, assim como o Tarot não se originou no Egito. Essa associação é um mito comercial que se perpetuou.

O Jogo da Esperança

A origem histórica do oráculo Lenormand está ligada a um jogo alemão do final do século XVIII chamado Das Spiel der Hoffnung (“Jogo da Esperança’), criado por Johann Kaspar Hechtel e publicado em 1799 na Baviera, Alemanha. Esse jogo continha 36 cartas com figuras e símbolos similares aos do atual baralho Lenormand, sendo originalmente usado para entretenimento.

As cartas eram dispostas em sua ordem natural, como no Maha Lilah, do 1 ao 36. Os participantes se deslocavam por meio de dados, tendo como objetivo a casa 35: Âncora-Esperança.  Ganhava o jogo, com vários participantes, quem chegasse primeiro. E para conquistar a Âncora, muitos desafios no caminho, com casas podiam trazer vantagens ou prejuízos.

Quem caísse na casa 3 (Navio), por exemplo, avançava para a casa 12 (Pássaros). Na casa 21 (Montanhas), ficava parado até tirar um duplo — o mesmo número em dois dados. Se passasse do ponto e caísse na casa 36 (Cruz), ficaria retido até ser liberto por alguém que tivesse o mesmo infortúnio.

E a Madame Lenormand?

No século XIX, Marie Anne Adélaïde Lenormand (1772–1843) alcançou grande fama por suas leituras de cartas de cassino para figuras da realeza, como Napoleão Bonaparte. Três anos após sua morte, editoras alemãs e francesas associaram sua imagem ao antigo Das Spiel der Hoffnung com propósitos comerciais. É importante frisar que ela nunca esteve ligada à abordagem preditiva dessas lâminas, que foram renomeadas como Le Petit Lenormand para impulsionar as vendas do produto.

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Grand Jeu Lenormand

Não existem evidências históricas concretas de que Mlle. Lenormand tenha criado ou utilizado essas cartas específicas.

O mesmo princípio se aplica ao Grand Jeu Lenormand, que é ainda mais complexo em sua estrutura e simbologia, e também teve seu nome associado à cartomante.

Com essa apropriação, a popularidade de Mlle. Lenormand e seu oráculo se espalhou pela Europa e chegou ao Brasil com os imigrantes, consolidando sua fama como “Baralho Cigano”.

Esta é a minha contribuição para o #JourneeLenormand ou Dia do Baralho Lenormand de 2014. Assim como minha reflexão sobre a Raposa no ano anterior, o objetivo é aprofundar o entendimento sobre este oráculo que ganhou muita força entre nós.

Para quem não sabe, a data foi escolhida por ser o aniversário de falecimento de Mlle. Lenormand – aquela que, ironicamente, não inventou o baralho.

Possam todos se beneficiar!

Destaque: Kira_graphics – Ancient Egypt’s Lenormand, via Pinterest.

Conteúdo revisado em 18/09/2025

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