Quando falamos em tarot cabalístico, o impasse não está em escolher entre a escola francesa ou inglesa. O problema é mais profundo: nenhuma das escolas consegue sustentar coerência simbólica ao longo das 22 letras hebraicas. #prontofalei Algumas correspondências parecem fazer sentido isoladamente, mas o edifício inteiro não se mantém de pé.
A escola francesa
Eliphas Levi e, depois, Papus colocaram Alef no Mago. À primeira vista, parece natural: Alef como início, Mago como começo do caminho. Mas logo aparece o problema. Alef, na tradição judaica, não é o artífice habilidoso, mas o sopro primordial, o silêncio que contém todas as possibilidades. Já no tarot, o Mago é aquele que manipula instrumentos, opera conscientemente. São naturezas distintas.
Mesmo que alguns encaixes pontuais funcionem — Papisa com Beit, Imperatriz com Gimel —, a coerência simbólica do sistema francês não se sustenta ao longo de toda a sequência de cartas. Alguns ajustes isolados podem parecer convincentes, mas o conjunto perde integridade quando avaliamos todas as correspondências de forma rigorosa.
Alguns tentam justificar certos alinhamentos usando a inicial das palavras em hebraico. Yoav Ben-Dov, por exemplo, aponta que Shin corresponde ao Louco por ser a inicial de shoté (“tolo”), Mem à Morte (maved) e Tav ao Mundo (tevel). Mesmo quando parece convincente, este método não se sustenta para todas as cartas. Há casos claros de forçação, como quando ele associa a letra Ayin à perna do homem que cai da Torre — uma leitura arbitrária que evidencia os limites da correspondência.
Síntese: algumas associações pontuais funcionam, mas a coerência simbólica do conjunto se perde rapidamente.
A escola inglesa
A Golden Dawn decidiu inverter o jogo: Alef foi para o Louco porque, como 0 (zero), é a primeira carta. Essa associação tem mais ressonância, porque Alef é invisível, indeterminado, e o Louco também encarna esse estado de potencialidade. Só que, na sequência, tudo se perde. Beit vira o Mago — mas Beit, a “casa”, não tem nada a ver com a individualidade ativa do Mago. Gimel não conversa co a Papisa, da mesma forma que a Imperatriz é ainda mais incompatível com Dalet do que o Imperador francês.
A tentativa inglesa foi dar aparência de ordem cabalística ao tarot. Os arcanos são distribuídos nos caminhos da Árvore da Vida de Moshe Cordovero. A coerência que começa promissora no Louco-Alef, mas logo se dissolve.
Síntese: começa bem, mas se perde rapidamente.
Crowley e Gray
Crowley herdou o modelo inglês e o recheou de astrologia, alquimia e simbolismos pessoais em O Livro de Thoth. Sua ousadia não resolve o problema de base: a sequência de letras continua tropeçando em correspondências que não fazem sentido. Gray, no Tarot do Sangreal, tentou oferecer um arranjo “mais cabalístico”, mas repete a mesma falha: um mosaico de ajustes arbitrários.
No fim, tanto Crowley quanto Gray acrescentam camadas interpretativas sem resolver a incoerência original.
Síntese: criativos, mas fundamentados em terreno instável.
Conclusão
O tarot e a cabala são sistemas simbólicos poderosos, mas diferentes em origem, linguagem e estrutura. Forçá-los a se alinhar letra a letra cria apenas arranjos artificiais. Algumas correspondências pontuais podem até ser férteis, mas nenhuma sequência completa se sustenta.
Não por acaso, o Oráculo Otiot — embora criado por um tarólogo — defende de forma categórica a separação entre esses dois corpos de conhecimento. E isso não é um detalhe metodológico, mas uma posição de princípio: preservar a integridade de cada tradição garante que o diálogo entre elas seja fecundo, sem reducionismos ou distorções. Tarot é tarot, cabala é cabala. A força está em reconhecer a diferença, não em forçar equivalências.
Possam todos se beneficiar!
Destaque: material de divulgação do Tarot of Magical Correspondences, de Eugene Vinitski.











