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Lenormand: Cruz e Serpente em uma viagem simbólica

“Quem tem ouvidos para ouvir, ouça” — Mateus 11:15. Embora soe profético, essa frase me veio à mente enquanto refletia sobre o Lenormand durante uma missa católica. Quando se é treinado em uma linguagem codificada, tudo pode se transformar em um grande (e belo) pathwork.

Estava na missa de sétimo dia do meu pai, que ocorreu em 14 de setembro, data dedicada à Exaltação da Santa Cruz, como descobri na homilia. A paróquia é antiga em minha memória, e ao fundo vemos Cristo de braços erguidos, representando sua ascensão, e não a crucificação. Esse detalhe me agrada e reforça percepção de que é mais potente ter essa imagem acima do altar do que a que geralmente encontramos nas igrejas.

Escolas do Lenormand: Europeia e Brasileira

No sermão do padre, reconheci duas imagens do Lenormand: a Cruz (36) e a Serpente (7). Essas cartas possuem atributos distintos, dependendo se interpretadas pela Escola Europeia ou pela Escola Brasileira do Lenormand.

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Tarot da Trybo Cósmica

Para quem não sabe, em algum momento o Lenormand foi redesenhado e comercializado no Brasil como Tarot Cigano (ou Tarot da Trybo Cósmica), realizando um sincretismo das lâminas com os orixás.

Alguns desses conceitos ganharam popularidade em uma época em que não havia livros de referência. Cartas tradicionais receberam novos nomes, como o Trevo, que se tornou “Paus e Pedras no Caminho”. A Montanha ganhou atributos de justiça, devido a Xangô, e a Cruz passou a carregar a leitura da vitória, em vez de sofrimento.

Mesmo quem utilizava a ilustração tradicional dos decks mais baratos e acessíveis passou a adotar esses novos atributos. Assim, surge a nomenclatura Escola Brasileira do Lenormand — que, segundo Alexsander Lepletier, grande estudioso do oráculo, eu criei.

Este post surgiu, de fato, na missa, a partir dessas reflexões. Vamos aprofundar esse entendimento.

A Cruz: Sofrimento ou Vitória?

Tradicionalmente, a cruz cristã é o símbolo do ato de sacrifício de Cristo para salvar a humanidade. No Lenormand, ela representa fardos, provações e sofrimentos. “Carregar a cruz” é uma expressão de renúncia.

Contudo, a cruz já foi exaltada como símbolo de vitória, a exemplo de Constantino, que a tomou como sinal de triunfo militar. Algumas pessoas estranham a leitura da carta da Cruz, no Lenormand, como um presságio de sucesso com esforço, mas é possível encontrar um contexto relevante para encaixar essa possibilidade — ainda que a saga de Constantino não tenha servido de inspiração direta.

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Constantino na Batalha de Ponte Mílvia

Não se trata de uma carta fácil, mas indica que há um propósito maior guiando o caminho do consulente e que este nunca está sozinho. A Exaltação da Santa Cruz é um ato de fé na liberdade da ascensão, não de fixação no sofrimento.

Para um oraculista, reconhecer essas camadas amplia as possibilidades de leitura: a cruz pode ser tanto fardo quanto conquista (com esforço, é importante frisar), dependendo do contexto.

A Serpente: Falsidade versus Sabedoria

O padre falou da Exaltação da Santa Cruz e também da serpente. Não a Serpente do Paraíso, mas a Serpente de Cobre usada para curar os hebreus que estavam morrendo por picadas de serpentes, as quais apareceram como castigo às queixas constantes — Bamidbar/Números 21:4-9.

No Lenormand, a carta 7 é um alerta contra falsidades, armadilhas e traições. Quando surge, avisa: “olhe bem à sua volta e afaste-se das pessoas de caráter duvidoso”. Geralmente, não se refere a uma característica do consulente, mas a um outro que o ameaça, o que não deixa de ser uma visão bastante unilateral.

Na Escola Brasileira, a Serpente está ligada a Oxumaré e representa a natureza, a fonte da vida e o princípio organizador do caos. É uma carta de renovação e cura, sendo também o símbolo da medicina.

No discurso do padre, resgata-se João 3:14-15, onde Jesus se compara à Serpente de Cobre — em alguns lugares pode aparecer bronze, mas a descrição do metal avermelhado confirma que se trata do cobre. Sim, também estamos falando de cura — do corpo e da alma. O padre não entrou no mérito, mas irei desdobrar os códigos dessa passagem.

Um Pouco de Cabalá

Serpente, em hebraico, é Nachash, o mesmo nome que encontramos no episódio do Pecado Original (Bereshit/Gênesis 3:1-6) — por isso a inicial maiúscula. Nachash representa a nossa má inclinação (yetser hará), a força do egoísmo que impulsiona todo ser humano. A pessoa não se sente má, não acha que está fazendo algo errado, mas sua lógica é distorcida (pela serpente) para a realização de sua vontade, a satisfação imediata de seus desejos.

Ser condenada a “andar sobre o ventre” (Gênesis 3:14) é uma forma cifrada de falar de sua fixação com a matéria, com a satisfação imediata e com o que é transitório, sofrendo com a impermanência — mesmo o prazer tem data de validade.

Cobre, em hebraico, é nichoshet (נחושת), palavra correlata a Nachash (נחש). Na passagem de Bamidbar, o cobre é antídoto para a picada da serpente ao ser erguido em uma haste. Nossa alma animal, a Serpente, é literalmente elevada. Tira a barriga (e órgãos sexuais) do chão. Por isso, aquele que eleva os olhos (sua atenção) para a Serpente de Cobre, sai de sua condição rasteira. Vale para quem ergue os olhos para ver o Cristo Ascensionado — tradicionalmente, na cruz, por isso a comparação.

Serpente e Cruz em uma Leitura

Existe uma diferença de leitura a partir da ordem das cartas. De modo geral, se um jogo traz a combinação de Serpente + Cruz ou Cruz + Serpente, a mensagem, por si só, é desafiadora. Apresento aqui um exercício simbólico dentro de perspectivas não ortodoxas.

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É interessante pensar que a Serpente seguida da Cruz possa ser indicativo de ameaça à santidade — um estado em que não nos deixamos afetar pelas condições que nos cercam. É como alguém que, num ambiente de trabalho onde todos reclamam do que fazem, acaba “comprando” uma insatisfação que pode não ser necessariamente a sua. A mensagem é claramente de alerta para não se deixar contaminar, separando o que é seu e o que é do outro.

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Numa combinação inversa, a carta da Cruz seguida da Serpente pode falar de uma necessidade de “exorcismo” — com aspas para não ser levado ao pé da letra. Lembrei do mito de São Patrício expulsando as serpentes da Irlanda. A cruz não surgiu no céu e o exército de Magêncio foi imediatamente fulminado. Constantino acreditou no sinal e teve que lutar. Sem empenho, não haveria vitória. Nas palavras de São Bento: “A Cruz sagrada seja a minha Luz. Não seja o Dragão (a Serpente) meu guia”.

Estou falando de exorcismo porque não devemos acolher ou dar espaço para o que nos faz (ou pode nos fazer) mal. Identificou uma ameaça? Prepare-se para banir e manter fora de influência. Gosto do testemunho que ouvi sobre terminar uma relação não porque havia deixado de gostar da outra pessoa, mas, apesar disso, por saber que esta pessoa não lhe fazia bem. Acho que é um bom exemplo de Cruz com Serpente.

Reflexões Finais sobre Cruz e Serpente no Lenormand

O objetivo dos artigos aqui é trazer algo diferente do que geralmente se encontra nos livros. É um exercício pessoal compartilhado, que busca expandir as interpretações. Não são, necessariamente, “descobertas” e, muito menos, “novas regras”. Sua contribuição, com críticas, sugestões e insights que o texto possa ter proporcionado, é fundamental para enriquecer essa discussão.

Possam todos se beneficiar!

Destaque: Imagem criada por IA exclusivamente para este artigo.

Conteúdo revisado em 17/09/2025
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