Muito antes de He-Man, meninos já brincavam de luta com espadas. Galhos de árvore ou espadas de plástico serviam ao mesmo propósito: encenar batalhas. E, não raro, alguém acabava se machucando. Às vezes, pelo exagero de quem levava o jogo a sério demais. Outras, por pura falta de jeito ou por não medir a própria força. Não se trata de maldade, mas aprendizado: crianças testando habilidades, como pajens de qualquer corte sempre fizeram.
Há algo de saudável, inclusive, na brincadeira de crianças que envolvam formas simbólicas de luta e enfrentamento. Elas permitem a expressão e o desenvolvimento da agressividade de modo lúdico e seguro, contribuindo para a regulação emocional e as habilidades de enfrentamento de desafios.
Independente disso, o Pajem de Espadas costuma carregar má fama. É visto como fofoqueiro, encrenqueiro, às vezes até como alguém disposto a passar os outros para trás. Mas antes de assumir esse julgamento, prefiro explorar outras possibilidades de leitura. A carta pode ser menos sobre intriga e mais sobre a condição de aprendiz na arte do enfrentamento que citei antes.
Coincidências querem nos ensinar algo

Essa semana, algo curioso aconteceu: duas consultas seguidas em que o Significador — a carta que, no Tabuleiro, revela como o consulente está diante da vida — saiu como Pajem de Espadas. Com 56 cartas embaralhadas, repetir a mesma lâmina duas vezes na sequência chama atenção.
Primeiro caso: o medo de machucar o outro
Uma cliente estava às bordas de uma separação, mas não conseguia comunicar o seu desejo ao marido. Não havia brigas, nem ofensas, nem acúmulo de rancor que justificasse uma ruptura abrupta. O companheiro era um bom pai, alguém presente, dedicado. Mas o amor dela havia se esgotado. O desafio era: como comunicar isso sem ferir? Como manejar a espada quando se sabe que, qualquer movimento, pode cortar?
O Pajem se mostra aqui como aprendiz. Ele ainda não domina a arma que carrega. Precisa aprender a lidar com a responsabilidade de cortar o elo sem cortar a carne. Isso exige lucidez e coragem. A cliente estava diante da necessidade de assumir a verdade, mesmo sabendo que o gesto teria consequências. O aprendizado do Pajem é exatamente esse: crescer enquanto se permite enfrentar a delicadeza do movimento, sem terceirizar a escolha para o destino.
Temia estar sendo precipitada. Talvez casamento fosse isso mesmo e ela que estava querendo demais. Um Pajem, naturalmente, não carrega muitas certezas. Mas o jogo confirmou a percepção inicial. Restava se preparar para os próximos passos.
Segundo caso: a necessidade de descobrir a própria voz
A consulente seguinte avançou uma casa e anunciou ao parceiro sua intenção de se separar dele. Não foi fácil, mas se encheu de coragem e falou. A resposta foi seca: “Eu não quero saber dessa conversa”. E ela paralisou. Os dois fingindo que essa conversa nunca aconteceu.
Aqui, o Pajem não deve ser entendido como covarde, mas vacilante — alguém sem treino que facilmente se intimida. Tem clareza do que quer, mas não consegue sustentar sua voz quando o outro bloqueia o diálogo.
Nesse caso, a carta mostra a necessidade de descobrir e afirmar a própria força — não com hostilidade, mas com firmeza, postura, argumentação e limites. A espada precisa ser empunhada: não para ferir gratuitamente, mas para honrar a própria verdade. O Pajem sinaliza que a ação necessária existe, mas o domínio continua em construção. A consulta oferece o empurrão que faltava: consciência de que, mesmo incerto, é preciso se posicionar.
Lembro de outro caso, sem ter um Pagem de Espadas envolvido, em que o marido disse à esposa que, sem ele, ela não daria conta de ter uma vida. E, mesmo não fazendo o menor sentido, bateu a insegurança e ela recuou. Serve como exemplo semelhante.

Quando o Pajem de Espadas é o outro
No workshop de Cartas Numeradas, gosto de descrever como cada pessoa funciona. Isso serve não apenas para reconhecer, como entender as reais motivações. Em complemento, também trago sugestões de como lidar com elas. No caso do Pajem de Espadas, ele pode assumir perfis distintos:
- o inseguro que evita o confronto e se protege pela fuga;
- o questionador que testa limites constantemente, às vezes sem profundidade;
- o que superestima a própria habilidade e age impulsivamente, sem medir consequências.
Como interagir com ele? O convite aqui é buscar estruturar a comunicação, trazer clareza, dar e pedir justificativas, exigir respeito e lógica. É possível dialogar e chegar a bom termo se a condução for correta, justa e honrosa.
Desafios e potenciais do Pajem de Espadas
Desafios: comunicação truncada, adiamento de cortes necessários, excesso de racionalização sem ação porque tem medo de errar ou teme o julgamento do outro.
Potenciais: curiosidade, lucidez inicial, coragem em formação, disposição de aprender a se posicionar.
O ponto central: a lâmina anuncia clareza; a condição de pajem anuncia que essa clareza ainda precisa de treino. Não se trata de romantizar imaturidade, mas de reconhecer processo: quem é Pajem hoje pode portar a espada com honra amanhã.
Conclusão: da intriga ao aprendizado
Reduzir o Pajem de Espadas a “intriga” é perder sua dimensão processual. Os casos demonstram que a lâmina pode sinalizar tanto medo de ferir quanto emergência de se fazer ouvir — ser respeitado(a). A diferença entre violência e justiça não reside na arma que ameaça, mas na postura e no treino de quem a empunha.
Quando o Pajem aparecer como Significador, tente entender o enredo primeiro e qual a sua condição no jogo sem conclusões de (palavras-chave de) almanaque. O mapeamento orienta a condução da conversa.
Leia também: Quem tem medo da Corte de Espadas? e um artigo crítico sobre o Valete de Espadas escrito pelo Leo Chioda: Manual prático de combate ao Valete de Espadas.
Possam todos se beneficiar!
Destaque: Pajem de Espadas extraído do Pinterest.
Conteúdo revisado em 03/10/2025












Um comentário
Essa foi a melhor e porque não dizer talvez a única explanação mais bem colocada que já li sobre o Pajem de Espadas. Realmente é fato que toda criança não permanecerá criança para todo sempre e sendo assim, se bem conduzida, sairá da ignorância para adentrar no mundo adulto. O que eu vejo por ai, é muita gente achincalhando os Pajens porque são imaturos emocionalmente e independentes da idade em questão, mas através dessa nova ótica a relação na leitura será diferente.