Tishrei, o primeiro mês do calendário judaico, inaugura o ciclo anual com o Rosh Hashaná, o ano novo civil judaico. Como o Luach varia em relação ao calendário gregoriano, recomendo conferir no site do Chabad o calendário oficial.
Embora eu não saiba qual é o marco zero de cada calendário do mundo, sabemos que o judaico considera o momento da criação do homem. Assim, a humanidade está prestes a completar 5782 (em set/2021) anos de existência — o site do Chabad também te atualiza quanto ao ano corrente.
O calendário judaico possui duas contagens: a civil e a religiosa. Neste texto, falamos do início do ano civil, também conhecido como Rosh Hashaná (literalmente, “Cabeça do Ano”). Do ponto de vista religioso, o ano começa no mês de Nissan, sete meses antes, conforme está escrito na Torá:
“Este mês [Nissan] será para vós o primeiro dos meses” (Shemot/Êxodo 12:2).
O mês de Nissan de 2448 foi quando os judeus saíram do Egito, o que explica sua importância. Apesar das perspectivas diferentes, as duas contagens coexistem sem conflito, revelando a riqueza simbólica do calendário judaico.
Tishrei, o começo
A palavra Tishrei, em hebraico (תִּשְׁרִי), guarda reshit (רֵאשִׁית) na reordenação das letras, que significa “começo” ou “início”. A primeira sentença da Torá, por sinal, é Bereshit bara Elohim et hashamayim ve’et ha’aretz (“No princípio, criou Elohim os céus e a terra”).
Sendo o sétimo mês da contagem religiosa, Tishrei carrega a santidade do Shabat, o sétimo e mais sagrado dia da semana. Não por acaso, é o mês com mais festividades e oportunidades de conexão com o Divino:
- Rosh Hashaná — o ano novo judaico
- Yom Kipur — o dia da expiação
- Sucot — a festa das cabanas
- Simchá Torá — o início de um novo ciclo de estudo da Torá
Diferente da ideia ocidental de Réveillon, o Rosh Hashaná não é uma ocasião de festa e promessas vãs, mas sim de preces e reflexões profundas. É dito que toda a humanidade é julgada pelos seus atos entre o primeiro e o décimo dia, culminando em Yom Kipur.
O próprio Rosh Hashaná é um momento de soft reboot levado a sério. Por isso, nossa tarefa é ponderar onde nos desviamos do caminho e ingressar em um novo ciclo, conscientes do que alimenta nossa yetser hará (“má inclinação”).
Usa-se muito a expressão teshuvá como “arrependimento”, no entanto, seu significado literal é “voltar à marca”. E que marca é essa? É o ponto do desvio. Se você pudesse voltar ao momento em que reconheceu seu erro, o que faria agora com a consciência adquirida?
Questionar-se “o que eu fiz de errado?” é bom. Ainda melhor é entender por que você fez. Afinal, só conhecendo o motivo podemos evitar repetir o erro. Essa é uma das reflexões centrais de Tishrei.
A décima-segunda letra do alfabeto hebraico, Lamed, destaca-se por ser a mais alta de todas. Em outras palavras, ela se eleva sobre as demais — guarde essa imagem.
Recentemente, fiz um vídeo para o Instagram sobre a necessidade de elevarmos nossas vibrações. Além disso, existe uma passagem no Midrash em que D’us ordena que Avraham se eleve acima das estrelas para que elas não determinem seu destino.
Como a Torá é um livro de códigos, toda vez que o texto descreve um movimento ascendente — como olhar para cima ou subir a montanha — está sendo estabelecida uma conexão com os Planos Superiores.
Outra forma de elevação vem pelo conhecimento. A palavra limud, escrita com as mesmas letras de Lamed, significa tanto “aprender” quanto “ensinar”. Assim, o aprendizado é também uma forma de ascensão.
E a emoção? Também nos elevamos quando estamos alegres e em paz. O coração se eleva. Coração, em hebraico, é lev (לֵב), formado por Lamed e Beit. A Torá começa com Beit (Bereshit) e termina com Lamed (Israel), o que permite dizer que suas letras despertam a Sabedoria do Coração.

Moznaim, o signo de Libra
Embora o Sol ainda esteja em Virgem, o início do ano judaico marca a entrada em Libra. Segundo o Sefer Yetzirá:
“Ele fez a letra Lamed reinar sobre o coito. E ele ligou a ela uma coroa. E ele combinou uma com a outra. E com ela ele formou Moznaim (Libra) no Universo, Tishrei no Ano, e a vesícula biliar na alma, macho e fêmea” — Sefer Yetzirá 5:9.
A principal reflexão de Tishrei é que toda ação causa impacto — inclusive a inação. Por isso, a imagem da balança de dois pratos nos lembra que não se mexe em um prato sem afetar o outro.
Não se trata de manter os pratos alinhados o tempo todo obsessivamente. No entanto, é essencial agir com consciência. Essa postura é necessária? Você contribui para a Ordem ou para o Caos?
A elevação de Lamed pode ser vista como o refinamento de palavras e ações — como na Comunicação Não-Violenta. Além disso, ela representa a busca por uma perspectiva mais elevada, capaz de enxergar o todo.
Peh, a letra regente de Nogá (Vênus)
Todo signo tem um planeta regente. Assim, cada mês é influenciado por duas letras: uma referente ao mazal (“signo”) e outra ao kochav lechet (“planeta”).
Nogá (“brilhante”) é o nome hebraico de Vênus. Existe uma expressão, klipá nogá, que cabe bem aqui.
Klipá significa “casca” ou “pele”. Tudo o que percebemos é uma klipá que esconde a verdadeira natureza das coisas. Por isso, muitas vezes é vista como algo negativo, pois nos afasta da Essência — assim mesmo, com “E” maiúsculo.
A Cabalá nos ensina que há dois tipos de klipot (plural de klipá): a klipá nogá, a casca brilhante ou iluminada, e as Shalosh Klipot Hatmayot, as “três cascas totalmente impuras”. A diferença entre elas é que, adivinhe, a klipá nogá pode ser elevada e refinada.
“Vênus é o planeta que simboliza o amor, o apreço estético, o valor às coisas materiais e ao prazer. É regente dos signos de LIBRA e TOURO e, na mitologia, era a deusa do amor, da beleza e da arte, símbolo da versatilidade e instabilidade feminina, movida pela paixão e pela sexualidade” – Cláudia Lisboa.
Alinhando as vontades em Tishrei
A palavra ratzon significa “vontade”. Existe a Vontade (com maiúscula), alinhada com a kedushá (santidade), e a vontade (minúscula), alinhada com os desejos egoístas. A primeira nos aproxima de D’us, enquanto a segunda nos afasta.
E tudo bem ter desejos sintonizados com atributos da Vênus astrológica. Afinal, seu brilho nos encanta e seduz. O ponto aqui é: nos deixamos corromper por isso? As coisas mundanas podem — e devem — servir a um propósito maior.
Não há nada de errado com dinheiro. O dinheiro nos possibilita muitas coisas. No entanto, a vida não deveria girar em torno dele. O dinheiro não deveria ser o seu deus. Ter recursos é uma coisa ótima para se praticar o aspecto material da generosidade.
Está tudo bem ocupar uma posição de poder, contanto que esse poder não tire de você a humanidade. E como toda relação — um tema de Vênus — é sempre um jogo de poder, como você exerce o seu?
Isso nos leva de volta às reflexões de Tishrei. Podemos pensar na elevação de Lamed como o refinamento de palavras e ações, como no exercício da Comunicação Não-Violenta. Além disso, podemos buscar uma perspectiva mais elevada para ver a situação “de cima”, na totalidade, e não somente no que nos afeta de imediato.
Shaná Tová!
Como já escrevi, há muito o que dizer sobre as letras hebraicas. Pinço algumas referências conforme bate a inspiração. Sobre Peh, falei da regência astrológica e deixei de lado seus atributos naturais — mas volto a ela no mês de Iyar.

Independentemente de você estar vinculado à Tradição Judaica ou não, acredito que temos uma oportunidade interessante de mudar o que nos incomoda a partir do que somos capazes de redefinir internamente.
Para todos que passam por aqui: Shaná Tová Umetuká (“que o ano seja bom e doce”) e Ketivá v’chatimá tová (“que você seja escrito e selado no Livro da Vida para o bem”).
Possam todos se beneficiar!











