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Tevet: o mês do cerco e das letras Ayin e Beit

O mês de Tevet marca uma transição delicada no calendário judaico: é tempo de frio, retração e memórias de cerco. As últimas luzes de Chanucá atravessam sua fronteira, lembrando que mesmo em períodos de contração ainda resta a chama da resistência.

Como a relação com o calendário gregoriano muda a cada ano, recomendo consultar o Chabad para verificar datas atualizadas.

No dia 10 de Tevet, lembramos o início do cerco de Jerusalém, quando o exército de Nevuchadnetsar, em 3336 (425 AEC), cercou a cidade. Dois anos depois, em 17 de Tamuz, os muros foram invadidos. E, no 9 de Av, o Primeiro Templo caiu.

Tevet, Tamuz e Av formam um trio de meses em que a tradição judaica enxerga a contração da Luz. São memórias de perda coletiva, mas também chaves para compreender os nossos próprios invernos internos.

O cerco e a fragilidade das muralhas

O livro de Yechezkel (Ezequiel) descreve a visão da Merkabá, a “Carruagem” divina, e anuncia o cerco: Samach melech Bavel al Yerushalayim — “o rei da Babilônia sitiou Jerusalém”.

Curioso notar a palavra samach. Normalmente ligada à ideia de apoio e sustentação, aqui surge como “sitiar”. O que antes era auxílio transforma-se em pressão. A muralha, que deveria proteger, torna-se frágil.

Os historiadores dizem que os judeus da época “não estavam alinhados com a Torá”. Prefiro ler de outra forma: as escolhas cotidianas definem a força ou a fraqueza de nossas defesas internas. Não é punição vinda de fora; é consequência de um descuido interior.

O cerco, portanto, não é apenas histórico. É metáfora das vezes em que nos sentimos cercados por pressões externas ou internas, quando a abundância parece bloqueada e só resta a sensação de estar encurralado.

Saúde mental em tempos de inverno

Tevet inaugura o inverno no hemisfério norte. Em Jerusalém, as temperaturas chegam a 10–12 °C e até neve é possível. Dias curtos, noites longas: um terreno fértil para a chamada “depressão de inverno”.

Mas o inverno não é só meteorológico. Ele é também uma condição da alma: períodos de escassez, retração, desânimo. Todos nós conhecemos, de uma forma ou de outra, a experiência de “noite escura da alma”.

É aqui que a letra Ayin entra. Ayin significa “olho”, mas não apenas o olho físico. É a visão: objetiva e subjetiva, o jeito como percebemos o mundo — e como escolhemos interpretar o que vemos.

Um olhar endurecido aprisiona no julgamento e na fragmentação. Limpar os olhos — como o judeu faz com as franjas do talit — é uma prática de saúde mental. Não só para enxergar o que a escuridão oculta, mas também para reconhecer aquilo que insistimos em não ver.

Conexões além das fronteiras

Na tradição judaica, as 613 mitzvot não são meros “mandamentos”; são “conexões”. 365 atitudes nos afastam da Luz, 248 nos aproximam.

Essa lógica ressoa em outras tradições. Sueide Kintê, do Candomblé, diz que “o maior ebó é o comportamento”. Vagner Ìgbínlàfàn lembra que somos nós que afastamos o orixá quando não escolhemos melhorar o orí — a “cabeça”, a consciência.

O paralelo é claro: espiritualidade não é apenas rito. É atitude. É a qualidade do que fazemos de nós mesmos, todos os dias.

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Oráculo Otiot – Ayin e Beit em Tevet

Ayin: aprender a olhar de novo

O signo de Gedi (Capricórnio) é representado pela cabra montanhesa, que se arrisca em encostas íngremes para alcançar lugares altos. Não há metáfora melhor para Ayin: de cima, vemos o que não se enxerga com a cabeça baixa.

Nas práticas de inovação, como o Design Thinking, equipes multidisciplinares se reúnem para olhar o mesmo problema de ângulos diferentes. Muitas vezes, a solução surge do olhar de quem não está condicionado pelo hábito.

Ayin nos convida a esse movimento: levantar a cabeça, mudar o ângulo, abrir espaço para a visão que ainda não tivemos. Só assim o cerco deixa de ser absoluto.

Beit: onde buscamos refúgio

Se Ayin é visão, Beit é “casa”. É a letra que inaugura a Torá: Bereshit, “No princípio”. É o lugar de origem, o abrigo, o contorno.

Beit também significa refúgio. E aqui a questão é direta: em que você toma refúgio? Casa, família, templo? Trabalho, prazer, vícios?

No budismo, “tomar refúgio” é abraçar uma nova forma de ver e atuar no mundo. Não basta pertencer a um grupo, ter um nome, frequentar rituais. Refúgio é prática de vida.

Em Tevet, com o frio e a contração, essa pergunta ecoa mais forte: o que de fato te protege? Onde você encontra o amparo que sustenta e não somente distrai?

Conclusão

Tevet nos fala de cerco e de fragilidade, mas também de visão e de refúgio.

  • Ayin nos lembra da necessidade de limpar o olhar, levantar a cabeça, buscar novos ângulos.
  • Beit nos chama a rever onde depositamos nossa confiança, o que chamamos de casa e de proteção.

Entre luzes que se apagam e noites longas, o convite de Tevet é o de cultivar clareza, lucidez e integridade.

Possam todos se beneficiar!

Destaque: Foto de Luiz Felipe

Conteúdo revisado em 14/09/2025
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